domingo, 25 de março de 2018

Diamondeno

Nesse trabalho apresenta-se um interessante estudo realizado sobre duas folhas de grafeno submetidas a altas pressões. Na verdade, as medidas foram realizadas no Laboratório de Altas Pressões da Universidade Federal do Ceará, sendo a análise, interpretação dos dados e cálculos de primeiros princípios e de dinâmica molecular realizados por uma grande equipe. Ele foi parte da Dissertação de Mestrado de Luiz Gustavo P. Martins, defendida no Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais sob a orientação do Prof. Luiz Gustavo Cançado. A ideia fundamental do trabalho é a seguinte: duas camadas de grafeno foram submetidas a altas pressões tendo a água como meio compressor. De estudos anteriores, sabe-se que o grafite pode se transformar em diamante em altas pressões, desde que a temperatura seja da ordem de algumas centenas de graus Celsius. No presente estudo, à temperatura ambiente, conseguiu-se transformar as duas folhas de grafeno em diamondeno, i.e., uma estrutura de carbono com as ligações características do diamante (não é exatamente diamante porque para isso seriam necessárias no mínimo quatro camadas). Observou-se que a banda G aumentou as suas frequência e largura à medida que a pressão era aumentada. A presença de sítios sp3 em sistemas grafíticos produz dispersão de frequência dessa banda com a energia de excitação do laser. O aumento da largura de linha estaria associado aos gradientes de strain e de stress causados pela deformação do substrato e da quasi-hidrostaticidade da água (a questão pode ser mais complexa pois o confinamento de fônons E2g dentro de domínios sp2 menores do que o chamado comprimento de coerência também contribui para esse alargamento). O acoplamento de elétrons pi ou buracos com fônons óticos - transversais (TO) e longitudinais (LO) - dá origem a um forte efeito de screening que gera um amolecimento nos ramos óticos no centro da zona de Brillouin, que é conhecido como anomalia de Kohn. Uma vez que a banda G tem origem nos fônons E2g (TO/LO no ponto gama) a frequência depende da intensidade da interação elétron-fônon perto do nível de Fermi (o confinamento de elétrons pi na região sp2 produz uma diminuição do amolecimento da frequência da banda G). Menores regiões sp2 implicam maiores gaps de energias dos elétrons pi, que podem ser selecionados ressonantemente com maiores valores de energia de laser gerando maiores frequências. Assim, o blueshift da banda G pode ser entendido como devido à existência de um sistema sp3 embebido num sistema sp2. Portanto, através da espectroscopia Raman, prova-se que os sítios sp2 diminuem à expensas do aumento dos sítios sp3 característicos do diamante e, portanto, prova-se que a mais fina estrutura de diamante é criada. Os cálculos teóricos indicam que essa formação grafeno - diamondeno mesmo à temperatura ambiente só é possível graças aos grupos hidroxilos presentes no meio, daí a utilização da água como meio compressor ser fundamental para o sucesso do experimento. É importante destacar que as conclusões do trabalho estão restritas a uma dupla camada de grafeno comprimidas na presença de grupos reativos específicos, podendo o resultado ser estendido a umas poucas camadas de grafeno. Assim, o artigo não diz respeito à transformação completa de estruturas sp2 a sp3 da estrutura do grafite, como poderia ser pensado à princípio. Um outro ponto importante diz respeito à possibilidade de que as ligações sp3 encontradas digam respeito ao chamado diamante hexagonal, ou lonsdaleíta. Essa última substância é formada, por exemplo, quando meteoritos com grafite atingem a terra e o calor produzido no choque transforma o grafite em diamante, mantendo a estrutura hexagonal original. No trabalho não é possível descartar que as ligações sp3 possam ser uma mistura de lonsdaleíta (diamante hexagonal) e diamondeno (diamante cúbico), embora cálculos DFT realizados apontem que o primeiro é energeticamente menos estável [L.G.P. Martins, M.J.S. Matos, A.R. Paschoal, P.T.C. Freire, N.F. Andrade, A.L. Aguiar, J. Kong, B.R.A. Neves, A.B. de Oliveira, M.S.C. Mazzoni, A.G. Souza Filhyo, L.G. Cançado, Nature Communications 8: 96 (2017)].

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